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Resiliência Territorial Pós-Desastres: o que aprendemos?

Resiliência Territorial

Nos últimos oito anos, imergi em uma jornada intensa e desafiadora, um verdadeiro mergulho nas profundezas de um processo reparatório de extrema relevância após um dos maiores acidentes já ocorridos no Brasil. Durante esse período, meu papel foi além do trabalho técnico; envolveu contribuir com a construção de métodos sensíveis e precisos para identificar, avaliar e compensar financeiramente famílias atingidas pela tragédia.

A experiência foi marcante e transformadora. Lado a lado com outras pessoas igualmente comprometidas, trabalhamos incansavelmente para desenvolver critérios de elegibilidade e valoração de indenizações, buscando não apenas a justiça, mas também a dignidade para aqueles que perderam tudo de um momento para o outro. A complexidade dessa tarefa foi imensa, pois cada família tinha sua própria história, suas próprias perdas e necessidades específicas. E a informalidade, a vulnerabilidade e as fraudes, caminhavam lado a lado. Semana passada, lendo matéria sobre suspeita de 300.000 fraudes em pedidos de indenização no Rio Grande do Sul, resolvi passar a dedicar tempo em colocar por escrito esse aprendizado. E não parar somente nele, pois a fraude é apenas uma das múltiplas facetas dessa realidade.

Minha interação direta com os atingidos foi uma lição de humanidade. Vi de perto a dor, a desesperança, mas também a resiliência e a vontade de recomeçar. Acompanhei de perto advogados na defesa dos direitos das vítimas, movimentos sociais que não permitiam que as vozes dos mais afetados fossem silenciadas, e um sistema de justiça que, mesmo com suas falhas, buscava respostas e soluções. Há sempre os de intenções pouco louváveis, mas há um número muito maior daqueles que querem fazer a coisa certa, do jeito certo.

Minha interação direta com os atingidos foi uma lição de humanidade. Vi de perto a dor, a desesperança, mas também a resiliência e a vontade de recomeçar.

O setor privado, muitas vezes visto apenas como vilão, também mostrou faces diferentes, de responsabilidade e de compromisso com a construção de um processo justo de reparação. O caso que vivenciei se tornou inédito e, apesar de todas as limitações e desafios, alcançou um nível de sucesso considerável se comparado com outros desastres no Brasil e ao redor do mundo, tanto em termos de abrangência quanto de prazos e nível de engajamento e diálogo com múltiplos atores.

Há sempre críticas, e elas são necessárias para que possamos melhorar e evitar que erros se repitam. Mas, junto com as críticas, existem muitos aprendizados que não podem ser ignorados. É sobre esses aprendizados que pretendo falar neste artigo, compartilhando insights e reflexões que podem ajudar em futuras situações de crise.

Há sempre críticas, e elas são necessárias para que possamos melhorar e evitar que erros se repitam. Mas, junto com as críticas, existem muitos aprendizados que não podem ser ignorados.

Quero deixar claro desde o início que meu objetivo não é apontar culpados ou discutir as causas dos acidentes. Esses são temas para especialistas em investigação e prevenção de desastres. Também não abordarei os planos de contingência que devem ser imediatamente acionados após um desastre, pois esses envolvem uma logística complexa que é responsabilidade de prefeituras, governos estaduais, governo federal e defesas civis.

Meu foco está nas fases subsequentes, quando a poeira começa a baixar e a realidade das perdas se instala. Quero falar sobre as dificuldades de tentar restaurar a vida das famílias ao que era antes, se é que isso é possível. Pretendo explorar o processo de indenização pecuniária, a retomada das atividades econômicas e o árduo caminho para devolver um senso de normalidade àqueles que perderam quase tudo.

Quero falar sobre as dificuldades de tentar restaurar a vida das famílias ao que era antes, se é que isso é possível.

Embora reconheça a grande importância de questões ligadas à saúde física e mental e à recuperação ambiental, não entrarei nesses temas. São áreas de atuação de outros profissionais dedicados e competentes com quem tive o privilégio de trabalhar e aprender. Eles enfrentaram desafios gigantescos com uma garra admirável, e seu trabalho é essencial para a recuperação completa das áreas afetadas.

Em última análise, esse e os demais artigos são uma reflexão pessoal e profissional sobre os aprendizados e as realidades da resiliência territorial em desastres. É uma tentativa de compartilhar experiências e insights que possam contribuir para melhorar os processos de reparação e ajudar comunidades a se prepararem melhor para o futuro.

Ao longo das próximas semanas, abordarei uma série de tópicos relacionados à resiliência territorial em desastres, cada um trazendo uma perspectiva única e aprofundada sobre os desafios e aprendizados desse processo. A seguir, apresento todos os tópicos que pretendo discutir:

  1. Resiliência Territorial Pós-Desastres: o que aprendemos? Os detalhes de um mergulho nas profundezas de um processo reparatório de extrema relevância após um dos maiores acidentes já ocorridos no Brasil.
  2. Resiliência territorial em desastres e acidentes: Neste artigo, exploraremos o conceito de resiliência territorial após desastres (e também acidentes), abordando a importância de preparar comunidades para enfrentar e se recuperar de catástrofes. Discutiremos as dimensões social, econômica e ambiental da resiliência e como elas se interconectam e como empresas que licenciam operações, devem se atentar para a nova perspectiva de indenizações e valoração desses danos criadas a partir dos acidentes recentes no Brasil.
  3. Casos Reais: Analisaremos casos simbólicos como o rompimento das barragens em Mariana e Brumadinho, o caso da Brasken em Maceió, Fukushima e BP no Golfo do México, avaliando o processo reparatório. Ao final, discutiremos as peculiaridades do Brasil e como elas influenciam, ou deveriam influenciar, a gestão dos riscos tanto para o estado como para o setor privado.
  4. Lições que aprendemos ou deveríamos ter aprendido: Da experiência mais recente vivenciada, e talvez uma das mais bem sucedidas em termos de tempo e abrangência da reparação, discutiremos o que ficou de aprendizagens do processo reparatório. E mais, como o sistema de justiça inovou em conceitos ligados a danos indiretos, rough-justice, processos de inteligência para lidar com fraudes, cartografias socioculturais para processos de reconhecimento de públicos informais, dentre outros. Falaremos também sobre os modelos de governança que foram adotados, e quais lições tiramos para futuros casos que, em que pese não queiramos que ocorram, venham a ocorrer.
  5. Uma nova base legal: Avaliaremos Política Nacional de Direitos das Populações Atingidas por Barragens (PNAB) (PL 2.788/2019). Como se deu, o que traz de reais mudanças e como isso deverá impactar, desde já, a avaliação de riscos e responsabilidades dos negócios expostos a possíveis situações de crise, acidentes ou desastres.
  6. O Setor de Mineração: o setor de mineração é, sem dúvida, os dos que têm os maiores aprendizados a tirarem dos ocorridos. Seja porque a base legal e a jurisprudência dos casos recentes se aplicam a este setor em especial, seja pelo fato de que há uma quantidade significativa de passivos em risco cujos territórios devam ser avaliados à luz de suas vulnerabilidades e, em especial, à sua resiliência. Agir de forma antecipada pode ser, mais que uma necessidade, uma oportunidade.
  7. O Setor da Produção de Energia Eólica e Fotovoltaica: em que pese não se possa imaginar que um setor tão recente, como este, esteja ligado a problemas similares a barragens rompidas em termos de impactos, é preocupante os relatos que chegam ao Ministério de Minas e Energia brasileiro. Populações extensas relatando impactos recorrentes e, certo modo, um novo conceito de “rompimento de barragem” ocorrendo. Vamos analisar esses casos e entender melhor o que os aprendizados recentes nos trazem de alerta.
  8. Os Setores da Monocultura: seria a monocultura e seus potenciais impactos na biodiversidade ou nos corpos hídricos, uma nova forma de impacto em escala?
  9. Qual a sua barragem? Neste artigo, exploraremos a metáfora de “todo negócio tem uma barragem para chamar de sua”. Nele, exploraremos como os acidentes e desastres recentes no Brasil criaram uma jurisprudência, um corpo jurídico e um corpo social que aprendeu a demandar e receber indenizações por danos. E como essa nova “cultura social, jurídica e econômica”, deveria orientar as análises de riscos e as modelagens dos negócios à luz dos riscos a impactos.
  10. Recomendações para as Empresas: Consolidaremos diretrizes práticas para que as empresas possam melhorar suas práticas gestão de riscos e de construção de resiliência em territórios potencialmente vulneráveis à sua operação. Discutiremos a importância da responsabilidade corporativa, a preparação para desastres e as estratégias de recuperação.
  11. Recomendações aos Territórios: Sugestões para comunidades e territórios aumentarem sua resiliência a desastres serão abordadas. Enfatizaremos a importância do planejamento participativo, da educação comunitária e das infraestruturas resilientes.
  12. Recomendações aos Movimentos Sociais: Analisaremos o papel crucial dos movimentos sociais na promoção da resiliência e justiça pós-desastres. Discutiremos estratégias para fortalecer o advocay, a mobilização e o apoio às comunidades afetadas.
  13. Recomendações ao Poder Público: Finalmente, discutiremos políticas e práticas que governos podem adotar para fortalecer a resiliência territorial. Enfatizaremos a necessidade de políticas públicas integradas, a cooperação interinstitucional e o investimento em infraestruturas resilientes.

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